31 de março de 2005

ALICATE

400, 500 no máx. - disse o olho de um fotógrafo avaliando o fim das cabeças - é pouco. tem pouca gente.
(esse foi o nº de pessoas na passeata de hoje no centro: estudantes secundaristas pelo passe livre, e universitários contra a reforma.
ou não...)
conseguimos arrastar na saída do turno da manhã, com ajuda do mega-fone (muito amarrado pela direção, e coitada, a Jack até que tenta ser "legal") com alguma gritaria, faixas, - pô brother, vamo lá cara, os léks vão, bora cara! E o fator mais interessante do dia: a voz de Gabriel.
Gabriel é um muleque da noite, do Rio Cumprido, uma trancinha descendo o cabelo quase black no ombro. A primeira referência sobre ele me veio da Polly, pessoa que estimo demais. E (melhor pra ele) sua exposição sobre o lék foi a melhor: - ele é meu primo! tem o cabelo igual o meu (ela tinha acabado de cortar 30cm do seu cabelo) e po, ele tem o jeito todo (nenhuma palavra, só a gesticulação excessiva das suas mãos que acabam falando tudo...) Enfim, o cara era... er humm .. alternativo.
Depois de tentar animar a galera com o mega-fone pra atravessar a rua, resolvi eu atravessar. E foi compartilhando a faixa com ele que descobri O Potencial do Cara. O maluco simplesmente começou a dialogar com as pessoas dos carros aos berros: - 60 MIL ESTUDANTES VÃO PARAR DE ESTUDAR! VÃO PARAR DE APRENDER A PENSAR! O PASSE LIVRE É NOSSO E N-I-N-G-U-É-M VAI NOS TIRAR... (tudo isso com gestos amplos com o braço livre e caras e voz possante). Perfeito. O cara empolgava.
Há quem passasse achando grotesco. Havia também os que se inspiravam nele. Desconcertante ou não, ele parecia não se importar. Tive que arrastá-lo para "um mate". Descobri a pólvora:
- vou fazer teatro. AAAAAAAH! só tem que rolar uma coisinha falar pernambuquês pra ter mais suavidade no "xi". A galera no ônibus acenou. Pegamos o primeiro. No metrô a unidade em massa: PEDRO II TUDO OU NADA? TUDO! ENTÃO COMÉ QUE É? Todos adoram gritar a tabuada... éramos uma guangue, nos defendíamos.
Troca-troca de riocards pra passar a galera.. mas mas olharam as fotos e depois acabaram liberando cadernetas. 2 vagões. Uma loira socialáite agarrou a bolsa com a nossa entrada triunfal. Rolou um sambinha, rolou lista de chamada para os que tavam matando aula não levarem falta e chegamos à Uruguaiana. Mais uma vez, chegamos a luz do sol ao ZUM ZUM ZUM PARATIMBUM da tabuada. É nosso grito, é viceral.
Carmem comemorou comigo o êxito das 60 cabeças que arrastamso pra lá, graças em parte, ao mega-fone...
Chegando lá, passeata a andar, carro de som muito a falar, barulho, samba, fumaça rosa, PSTU, MEP, reforma, não reforma ÔôÔ LULA, QUE PAPELÃO, ESSA REFORMA É PRIVATIZAÇÃO, fotos, trânsito em fúria, mas contido lá atrás agora... disperções, confusão, minha voz rouca e sol, muito sol na cara. Porém, é sempre muito bom. Paramos ao lado do Paço e lá não saímos. BOPE ficou em cima. Mais algumas falações (subi no carro mas não cheguei a falar) e o sol foi descendo as pessoas saindo e a alfaia bumbando.
Na volta, pela praça XV podia sentir o caminhar daquelas pessoas das fotos do início do século passado ao me concentrar nos monumentos históricos.. bem que o viaduto podia ter a pintura dos céus de Michelangelo, como de fato estava. Mais algumas chamadas pra barca destino a Niterói e me fui, achando que minha vida anda muito cheia de tufos e sujeiras...

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Aracy

Billie

Let's Face The Music And Dance

Let's Face The Music And Dance
Dinah

Ella

O Guardador de Rebanhos - trecho

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas...
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –«Se é que ele as criou, do que duvido» –«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre, E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu
Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

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